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Álvaro Machado Dias

Por que o bitcoin flutua e o libra promete não flutuar?

Álvaro Machado Dias

01/07/2019 22h05

Após o artigo em que testamos nova criptomoeda do Facebook, amigos economistas se interessaram pela mecânica de estabilização do libra, então me propus a responder à pergunta do título. Pelo que percebemos, moedas digitais não lastreadas trazem um mecanismo poderoso para acelerar a adoção

No dia 18 de junho deste ano, o Facebook liberou o White Paper e o código fonte de testes (a chamada Test Net) do libra, uma moeda digital parcialmente descentralizada, que deverá entrar no mercado em cerca de um ano. Em parceria com o Dr. Eduardo Oda e a ajuda da equipe de desenvolvedores de Blockchain do Rhizom e Grupo WeMind, que baixou e rodou diversos tipos de transação na Test Net, escrevi um ensaio para o UOL sobre a iniciativa. Recebi diversas mensagens de interlocutores ávidos por saberem mais sobre sua lógica de funcionamento. Neste contexto, surpreendi-me ao notar o interesse de alguns amigos economistas pela mecânica de estabilização do token, assunto que originalmente tomei como trivial.

Do ponto de vista mais superficial, realmente, é tudo muito simples: cada token disponibilizado no mercado será lastreado por 1 dólar (ou outra moeda/cesta de moeda) para que adquira paridade monetária, permanecendo estável. Bom, como esses professores de economia notaram, por caminhos distintos, o assunto não se encerra nisso; no mais, existem alternativas à estabilização pela manutenção de dinheiro em caixa (fiduciária) e uma discussão mais ampla sobre a flutuação das criptomoedas, que retornou à pauta nestes últimos dias, uma vez que o preço do bitcoin oscilou significativamente.

Pesquisei fontes de informação de maior reputação (artigos científicos publicados em revistas de impacto) e maior circulação (artigos em espaços respeitáveis, como este aqui) e não encontrei nada que desse conta do recado. Assim me propus a ajudar a preencher esta lacuna, por meio de dois ensaios: este, em que respondo à pergunta do título; e o seguinte, onde apresentarei mecanismos alternativos de estabilização de tokens, além de uma série de questões mais avançadas sobre o futuro das criptomoedas.

Dinheiro e lastro

A estabilização é assumida como a missão suprema de quem modela processos econômicos baseados em ativos digitais. Isso é de se entender: se o valor do token flutua, o mercado é desincentivado a utilizá-lo; afinal, comerciantes terão receio de que, no momento de reconversão para a moeda local, o montante recebido por suas mercadorias represente menos do que esperavam; ao passo que os compradores terão receio de estar pagando mais do que seria o caso, alguns dias para frente. Por esta razão, diz-se que a estabilidade é uma condição para a adoção massiva de tokens voltados à intermediação de pagamentos.

Muita gente trata este problema sob o ponto de vista de que o bitcoin e outras criptomoedas não estão lastreadas por reservas de valor, ao contrário do dólar, que é estável por ter essa base, a qual repassa para as moedas dos países que têm padrão-dólar. De acordo com o raciocínio, de maneira direta ou indireta, ouro e outros ativos inibem a possibilidade do dinheiro existente valer menos do que a reserva, criando um colchão de sustentação para a cotação. Se você ouvir algo nesta linha de alguém que passou os últimos cinquenta anos perdido em uma selva, pode acreditar: trata-se de uma visão bem fundamentada da realidade macroeconômica deixada para trás.

Com a Segunda Guerra Mundial caminhando para um fim, em julho de 1944, delegados de 44 países –Brasil incluso– encontraram-se para estabelecer os termos de um acordo financeiro previamente engavetado enquanto passeavam pelas belas montanhas de Bretton Woods, no estado de New Hampshire, EUA.

A premissa compartilhada por boa parte dos presentes era de que o mundo ocidental deveria encontrar maneiras de fortalecer a estabilidade econômica e o comércio internacional, a partir de práticas comuns, para reerguer a economia mundial, com foco na europeia. Ali surgiram o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, que foram decisivos para a história do século XX e começo do XXI.

O termo principal do acordo foi o lastreio das moedas nacionais em dólar, que por sua vez deveria ser lastreado em ouro. Pela tabela definida, o grama de ouro valeria US$ 0,80.

O acordo só decolou de verdade em 1958, quando as moedas dos diferentes países tornaram-se efetivamente conversíveis, sob a supervisão do FMI, que monitorava esta relação de perto. Tal dinâmica foi fundamental para a universalização da moeda americana como reserva de valor ao redor do mundo, dando suporte à ideia de que os interesses do FMI alinham-se aos dos Estados Unidos.

Isso se explica porque, de um lado, a entrada de capital nos Estados Unidos tem um balanço positivo para o país (apesar de também trazer alguns problemas) e, de outro, porque países com reservas em dólar têm fortes razões para não quererem que este despenque, o que naturalmente ajuda os Estados Unidos a se manterem relevantes do ponto de vista econômico e político.

Não tardou para que ficasse claro que a manutenção da relação com reservas do minério dourado estavam com seus dias contados. Isto não decorreu do afã dos americanos de exercerem o direito de trocar punhados de cédulas por barrinhas de ouro, como às vezes se diz; na realidade, uma lei federal de 1961 proibiu os americanos de terem ouro em casa ou em qualquer outro lugar do mundo.

O que de fato teve efeito foi a forte demanda internacional pelo dólar, fazendo as impressoras da Casa da Moeda trabalharem até travar (essa é uma ideia figurada; na prática, a impressão de dinheiro em papel tende a ser uma péssima opção), assim tornando a paridade com as reservas em minério completamente inviável.

Em 1971, o presidente Nixon abandonou o tratado de Bretton Woods, cancelando o padrão-ouro para o dólar, o que naturalmente tornou-o sem efeito para todos os países que tinham padrão-dólar. Deste momento em diante, a ideia passou a ser que o dólar vale em função daquilo que ele pode comprar nos Estados Unidos; isto é, vale pelo que traduz da força da economia do país. O momento foi de popularização do trilema macroeconômico, do começo da década anterior, que diz que não é possível combinar câmbio fixo, livre movimentação de capital e política monetária independente.

Vale notar que, durante suas fases mais embrionárias, o real (primeiro como cruzeiro-real, depois como URV e real), viveu uma fase de câmbio fixo, cuja ideia era limitar o teto da inflação, endêmica até então. Essa foi seguida por uma fase semifixa que, desde 1999, passou a ser flutuante, não retornando aos moldes anteriores.

Assim se conclui que o lastro do bitcoin é exatamente o mesmo do dólar ou do real, não havendo qualquer sentido em se afirmar o contrário: todos valem pelo que podem comprar e nenhum tem qualquer tipo de reserva de valor servindo de colchão aos movimentos cambiais, já que o câmbio tende a ser flutuante. Portanto, não é rigorosamente correto dizer que o bitcoin flutua porque não tem lastro em uma reserva de valor, ao passo que o libra não flutuará porque estará lastreado em uma ou mais moedas nacionais, como vem sendo dito.

Estabilidade econômica e criptomoedas

As moedas dos países com melhores condições de renda são todas estáveis ou, tanto quanto possível, levemente inflacionadas. A razão para isso não está apenas na relevância da produção, mas na aplicação adequada de políticas monetárias, a partir das quais os governos intercedem na economia para que a oferta de dinheiro esteja bem conectada à demanda pelo mesmo.

O mecanismo mais utilizado é a taxa de juros dos títulos públicos federais. Em sua forma mais elementar, funciona assim: quando a demanda internacional por nossas exportações, produtividade, emprego e salários sobem (diz-se: a economia se aquece), a capacidade de consumo sobe junto, levando a um aumento nos preços, que torna cada real menos valioso –e eis a inflação, no caso, puxada pela demanda, o que não é o pior dos mundos, diga-se de passagem.

O governo então pode subir a taxa de juros que paga nos títulos públicos, que assim se tornam mais interessantes como reservas de valor. De um lado, dinheiro investido nos mesmos é sinônimo de dinheiro retirado de circulação; de outro, este movimento leva à subida dos juros nos bancos, o que tira mais dinheiro de circulação, conforme os empréstimos ficam mais salgados. Com isso, o preço das coisas cai. Já quando o consumo está muito baixo, o governo pode baixar os juros pagos pelos mesmos, desestimulando os bancos a adquiri-los, o que os estimula a emprestar a juros mais baixos, para dar vazão ao capital.

No caso do bitcoin, não é possível exercer uma política monetária. Porém, isso não significa que Satoshi Nakamoto, seu idealizador, não tenha pensado no assunto e injetado princípios macroeconômicos no código. Os principais são profundamente interconectados: a reserva de bitcoins é finita e a recompensa dos mineradores cai pela metade, cada vez que 210.000 blocos são minerados, o que ocorre a quatro anos, aproximadamente.

Para compreender o que isso significa é preciso ter em mente que as transações em bitcoin são armazenadas em tabelas ou "blocos", que precisam ser validados por outras pessoas, conhecidas como mineradores, as quais ganham uma recompensa em bitcoins por fazê-lo. Apesar do fato de que é preciso pagar uma pequena taxa para realizar transações, a parte principal dessa recompensa não vem da conta de ninguém, mas é produzida a partir da execução de um algoritmo que fica no blockchain do bitcoin, que gera novos bitcoins, os quais são subtraídos da quantidade total a ser produzida, que é 21 milhões. Atualmente, cerca de 18 milhões de bitcoins já foram gerados e uma nova redução em recompensas surge no horizonte. O que este mecanismo faz é mimetizar o ouro, cuja finitude influencia o preço.

Uma das consequências deste raciocínio é que, enquanto reserva de valor, o bitcoin lembra menos uma moeda nacional e mais uma commodity. Outra é que o desenho econômico converge à potencial valorização, através de esgotamento da oferta. Esta valorização, contudo, não pode ser assumida como fato consumado: a criptomoeda vale conforme exista interesse de mercado por ela, tal como é o caso para qualquer moeda. Do outro lado, conforme o uso amplie-se, gerando maiores possibilidades para trocar os tokens por produtos e dólar, menor tende a ser a flutuação.

Este é um raciocínio fundamental para se entender a lógica econômica das criptomoedas. Qualquer unidade de troca financeira que ganhe ampla aplicação tenderá a flutuar muito menos do que se observa atualmente com o bitcoin e semelhantes –mesmo que não possa sofrer os ajustes finos de uma moeda nacional. Pelo mesmo raciocínio explica-se porque o Facebook avaliou que vale a pena imobilizar um enorme capital para estabilizar o libra de primeira: esta virtude emula o que entusiastas esperam que um dia aconteça com todas as criptomoedas de sucesso. No fim, a variável em questão é tempo.

Mas, afinal, por que o bitcoin flutua hoje em dia?

Moedas servem como meios de transação e reserva de valor. Para entender por que o bitcoin flutua é importante ter em mente que estas funcionalidades não são idênticas, ainda que sejam relacionadas. De maneira comum, a flutuação é um fenômeno da fase de adoção das criptomoedas, as quais podem ou não ganhar amplo mercado, superando esta fase. Ela surge porque tais carecem de políticas monetárias, em função de sua natureza distribuída, fator que mais as diferencia das moedas nacionais.

Do ponto de vista transacional, o bitcoin parece uma grande febre, mas sua adoção ainda não atingiu o ponto em que os tokens podem ser transacionados, de maneira rápida e 100% descomplicada, em uma ampla gama estabelecimentos e instituições financeiras. A consequência é a fragilidade de sua economia às mais variadas perturbações.

Imagine que você e um grupo de amigos criem um grupo de WhatsApp para quem é fã de abelhas mortas, onde então nasça um comércio de espécimes. Ao longo do tempo, é possível que alguns proponham trocar abelhas por outras coisas e, um pouco mais adiante, que as abelhas passem a servir para intermediar a aquisição dos mais variados bens. Neste contexto, a entrada ou saída de um ou dois membros pode ter efeito enorme na quantidade de coisas que podem ser adquiridas via "inseto-coin". Retomando a ideia de que uma moeda vale pelo seu poder de compra, entende-se que flutuações na adoção impactam dramaticamente o potencial para intermediar transações, que é um dos fundamentos de toda moeda. Deste princípio segue que a principal força ditando a flutuação no valor das criptomoedas jovens –e todas são jovens– é o efeito de manada determinado pela percepção de vigor da rede. Quando as pessoas percebem que outros estão entrando, sentem confiança para seguir atrás e vice e versa; não o fazem porque são totalmente irracionais como se costuma dizer (mas tão pouco por representarem "jogadores racionais", é claro) mas porque a magnitude da adoção é a própria medida do valor prático da criptomoeda, o que usam como sinal para suas decisões. Nesta esfera, a mídia entra com um poder muito grande, chancelando ou repelindo a hipótese da adoção ampla.

Do ponto de vista do seu papel como reserva de valor, o bitcoin flutua principalmente em função de ataques especulativos. Dado que o blockchain é público, é possível mapear as carteiras detentoras de tokens, apesar de não ser possível conhecer a real identidade de seus proprietários, sem investigações profissionais; o mapa destas carteiras revela que as dez maiores, conhecidas como baleias (mais de US$ 1 bilhão), são plenamente capazes de influenciar o preço do token, a partir de estratégias deletérias.

Uma das estratégias mais relevantes é conhecida como ciclo de enxague e repetição. Nesta, uma ou mais baleias ofertam tokens abaixo do preço de mercado, gerando a percepção generalizada de que o mesmo está caindo; isto leva pânico aos pequenos investidores, que interpretam o movimento como possível contração de longo prazo, vendendo mais barato ainda para as mesmas baleias, que lucram imediatamente, ao mesmo tempo em que encontram uma oportunidade para crescer ainda mais por meio da aquisição de ativos subvalorizados. A grande expectativa do mercado pela entrada de investidores institucionais decorre do fato de que, se isso ocorrer, eles é que serão as verdadeiras baleias, o que mitigará o efeito dos ataques especulativos.

Em uma terceira esfera, a flutuação do bitcoin decorre da crença em sua tecnologia. Cada vez que há um hacking ou qualquer outro tipo de golpe, a crença na expansão da função de uso e na capacidade do token servir de reserva de valor é colocada em xeque, o que impacta seu valor de mercado. Finalmente, há fenômenos endógenos; por exemplo, muito se divulgou que o último estirão do bitcoin foi derivado da empolgação geral com o mercado, trazida pelo libra; porém, o mercado revela que este movimento estava sendo preparado pela preocupação com a próxima correção na premiação dos mineradores, a qual cairá pela metade em cerca de dez meses, de 12.5 para 6.25 bitcoins por bloco minerado. Este efeito endógeno não deve ser descartado.

E o libra?

Considere que você quer estabilizar o valor de suas abelhas mortas, no grupo criado com seus amigos. Para isso, vocês podem combinar que colocarão no banco R$ 1 para cada abelha colocada em circulação e que criarão uma regra por meio da qual quem quiser sair do grupo poderá entregar suas abelhas para a Banca, por R$ 1 menos alguns centavos, que custearão a transação de saída. Este princípio naturalmente fará com que o valor do token (inseto-coin) flutue menos, na linha do que procuraram fazer as economias que se dolarizaram no pós-guerra. Essa é a ideia básica do libra que, provavelmente, deverá ter caixas para a conversão dos libras em reais, dólares e outras moedas nacionais.

Porém, essa não é a história completa. As criptomoedas são transacionadas em bolsas próprias (exchanges), onde diversas outras opções estão disponíveis. Consideremos que um investidor tenha 1 milhão de libras (ao valor inicial de US$ 1 milhão) e que um ataque especulativo leve a cotação em dólares do bitcoin a despencar; nestas condições, será natural que os investidores migrem para o libra, impulsionando sua cotação no câmbio. É a mesma coisa que ocorre com ingressos para eventos concorridos, que custam mais caro fora da bilheteria, conforme a oferta oficial torna-se inferior à demanda. Esta hipotética subida tenderá a promover uma fuga de capital do ecossistema do Facebook e parceiros (como a carteira digital Calibra) para casas de câmbio, o que por sua vez obrigará estas empresas a imobilizar mais capital nos bancos se quiserem manter a paridade que estabiliza a moeda.

Porém, eis o aspecto notável, o movimento de conversão das outras criptomoedas em libras, se de fato ocorrer, significará expansão na curva de adoção do libra que, justamente, precisará de menor estabilização fiduciária, já que será possível fazer uma gama maior de transações com ele. O caminho natural então será reduzir a porcentagem do lastro da reserva de valor. Ou seja, em vez de manter em reserva dinheiro correspondente a 100% dos tokens disponibilizados, a Fundação Libra poderá cortar a reserva pela metade e assim por diante até abrir mão do lastro. Uma contrapartida desse possível movimento é que a nova moeda passará a operar de maneira crescentemente alavancada, quebrando se algum evento improvável levar a uma rápida fuga de capital, como diz Nassin Taleb, e como, de fato, acontece muitas vezes com os bancos.

Na linha inversa, os tokens libra disponibilizados no mercado de câmbio podem perder tração, por exemplo, pela publicação de uma norma negativa para a Fundação Libra. Nestas condições, os investidores tenderão a vender abaixo do valor de referência; afinal, não faz sentido inserir US$ 1 milhão em tokens na Calibra para gastar nas lojas que aceitam a moeda.

Na medida em que isso ocorra, as pessoas interessadas em usar o sistema do Facebook e seus parceiros irão se encontrar em uma situação em que tanto poderão comprar os tokens por US$ 1 cada, diretamente na Calibra, quanto poderão comprá-los por 80 ou 90 centavos de vendedores não oficiais (casas de câmbio). Este cenário criará um desincentivo à adoção massiva, já que as pessoas estarão pouco motivadas a adquirir tokens da Fundação, que assim não encontrará motivo para gerá-los, mimetizando o que ocorre em economias recessivas.

A consequência prática pode ser a falência do libra, que precisará oferecer tokens abaixo do valor de compra nos mercados que o aceitam, para estimular as pessoas a comprá-los na Calibra, mais ou menos como fazem essas startups que pagam para que as pessoas consumam seus produtos, na esperança de que ganhem tração com isso.

Finalmente, as próprias moedas nacionais que servirão de reserva de valor podem sofrer variações significativas no mercado internacional de câmbio (conhecido como Forex), com perdas ou ganhos bilionários, que precisarão trafegar na cadeia de valor do Libra.

Considerações finais

Neste ensaio argumento que moedas digitais lastreadas e não lastreadas em reservas fiduciárias convergem no longo prazo e que estas últimas trazem como principal vantagem um mecanismo poderoso para acelerar a adoção, que nem por isso blinda movimentos especulativos que podem chegar ao consumidor.

Do ponto de vista das razões para a flutuação das criptomoedas em fase de adoção, como é o caso para o bitcoin, proponho que discriminemos variações cambiais originadas em efeitos de rede, conectadas ao seu papel transacional; variações cambiais que afetam primariamente seu papel de reserva de valor, como é o caso para os ataques especulativos das chamadas baleias; variações relacionadas à confiança geral na tecnologia; e variações endógenas ao protocolo, como é o caso para a taxa de recompensa paga aos chamados mineradores.

Nada disso deve ser tomado como sinal de que o preço futuro do bitcoin viva sob incerteza absoluta. A bolsa de opções de Chicago, a maior do mundo na categoria, criou um instrumento para inferir a volatilidade futura de ações (CBO VIX), que foi adaptado ao mercado de moedas (Forex). O mercado do bitcoin e outras criptomoedas ainda carece de um instrumento do tipo. Por outro lado, seguindo aquilo que se vê em outros domínios, mercados de futuros para bitcoin entraram em operação para que os investidores possam apostar em cotações; por exemplo, Maria fecha com Luísa o direito de adquirir dois bitcoins por US$ 10 mil cada, em dezembro de 2019. Se a cotação estiver acima a ocasião, ganhará dinheiro; se estiver abaixo, perderá.

Mercados de futuros permitem-nos saber as cotações futuras nas quais os especialistas estão verdadeiramente apostando, reduzindo impactos da volatilidade.

No próximo ensaio apresentarei alternativas a estes dois modelos de tokens aqui descritos, levando a discussão sobre estabilização e adoção a um novo patamar.

Até lá.

Pós-escrito: uma questão de nomenclatura

Neste texto, optei por usar a seguintes notações:

Libra no masculino, dado que é o token chamado libra.

O bitcoin, o libra, o ehtereum, o dólar e o real: no masculino, para os projetos de criptomoeda, os tokens e o dinheiro em uso.

Sobre o Autor

Álvaro Machado Dias é neurocientista cognitivo, professor livre-docente da Universidade Federal de São Paulo, diretor do Centro de Estudos Avançados em Tomadas de Decisão, editor associado da revista científica Frontiers in Neuroscience, membro da Behavioral & Brain Sciences (Cambridge) e do MIT Tech Review Global Panel. Seus interesses intelectuais envolvem tomada de decisões de um ponto de vista cerebral, efeitos das novas tecnologias na compreensão do mundo, inteligência artificial, blockchain e o futuro da medicina. Contato: alvaromd@wemind.com.br

Sobre o Blog

Este blog trata de transformações de mentalidades, processos decisórios e formas de relacionamento humano, ditadas pela tecnologia. A ideia é discorrer sobre tendências que ainda não se popularizaram, mas que dão mostras de estarem neste caminho, com a intenção de revelar o que têm de mais esquisito, notável ou simplesmente interessante, de maneira acessível e contextualizada.