Crônicas de uma Era: a Verdadeira História do Homem que se Vendeu na Bolsa
Só há três ingredientes na receita do destino: fatos, sorte e paradoxos. Para os desavisados é tudo a mesma coisa, mas, na filosofia do Diego, são bem diferentes.
Malhar todo dia e fazer curso de formação de ator são fatos. Ser escolhido para participar do Big Brother é parte da sorte. Pegar a queridinha do programa, sobreviver a três paredões e estar duro e desempregado alguns meses depois é mais um de seus paradoxos – não cabendo na esfera da sorte e menos ainda na dos fatos.
Há vários outros princípios interessantes na sua filosofia, como o de que comida fria é mais saudável que comida quente. Segundo prescreve, o almoço deve descansar no armário da academia, até que se torne um poderoso elixir da vida. Legiões acreditam.
Também tem o do carro como ambiente ideal para novos contatos profissionais. Foi por causa deste princípio que decidiu fazer Uber, na época que ninguém o conhecia. Por causa dele também é que a sorte o encontrou, disfarçada numa senhora que, como quem não quer nada, lhe incentivou a tentar ser Brother, por toda Luiz Carlos Berrini.
Se joga, meu filho, você é bonitão e aposto que tem um…grande talento – disse-lhe com uma piscadinha maliciosa.
Mas o fato é que tudo passou como turbilhão e o que lhe sobrara de mais palpável era seu recall de subcelebridade, descendo pela ampulheta 24/7 – verdadeiro paradoxo.
Para você que não acompanhou pela mídia, vale dizer que isso foi perto do final de 2018, época em que o que estava muito em alta eram as criptomoedas, do Bitcoin e seus semelhantes. Diego gostava de dizer que os bancos iriam acabar e as pessoas iriam emitir suas próprias moedas ou "tokens", conforme estudado no YouTube.
Foi ali também que encontrou inspiração para a tokenização de si mesmo, coisa que ninguém jamais havia tentado, apesar das tokenizações de imóveis e obras de arte. Vendeu o carro e pôs tudo numa empresa do pequeno Luxemburgo, que prometia tokenizar qualquer coisa, em menos de 24 horas. Não era truque. Sorte.
A mídia se deliciou com a ideia, conforme a entrevista abaixo atesta:
– Quem assistiu ao último BBB certamente se lembra de Diego Rai, 29 anos, o Raian, cujo romance tórrido com Isabela Ferraz terminou mal, quando vomitou sobre a bela enquanto dormia, completamente embriagado. Para quem não sabe, o muso é empreendedor está lançando uma ideia radicalmente original. Explica para a gente qual é o plano desta vez, Raian.
– Boa noite, Camila, boa noite para você que nos assiste de casa. Bom, há muito tempo eu curto criptomoeda, como o Bitcoin e o Ethereum. Aí eu decidi criar a minha própria moeda, a Raian Coin. Só que ela não é uma moeda qualquer. Quem tiver as minhas moedas vai poder acompanhar a minha vida por três anos e ganhar uma parte de tudo o que eu receber. Basta instalar um app para que o dinheiro caia na conta. Totalmente sem burocracia.
– Como assim acompanhar toda a sua vida?
– É como um Big Brother sem confinamento. Um Big Brother cuja casa é o mundo, onde você pode ser meu expectador, minha expectadora e também ganhar dinheiro comigo. E tem mais, tudo vai seguir os princípios da democracia líquida.
– O que é isso, Diego?
– A comunidade vai poder decidir o que eu devo fazer e os votos vão ser proporcionais à quantidade de moedas possuídas.
– É sério?
– Sim. Esses tokens dão direito ao que eu ganhar nesses três anos e você pode ainda dirigir a minha carreira e até a minha vida.
– Uau, gente, olha isso, controlar esse homem. Como pode, né? E o que você faria se estivesse no controle?
– Eu investiria na minha carreira de ator e também na abertura de uma startup.
– Startup? De quê?
– Ainda não sei, são muitas as possibilidades. Etc.
Já outros veículos eram menos condescendentes, publicando matérias como esta aqui: "Sem contrato e sem dinheiro, ex-BBB vende a si mesmo por meio de criptomoeda". Até saiu um artigo especializado no UOL/FSP de um jurista que questionava a legalidade do que o Diego estava fazendo, com o seguinte título: "Escravizar a si mesmo é crime no Brasil, mas zona cinzenta impede ações".
Naturalmente, a notícia também chegou às paragens onde investidores experientes e hackers dividem o bolo deixado na mesa pelos que se acham espertos. Foi ali que surgiram os primeiros memes sobre a nova moeda e seu criador, os quais ajudaram a catapultar sua fama. Paradoxo, mais do sorte.
Um fato que o Diego conheceu e reconheceu logo após o lançamento é que o bordão "falem mal mas falem de mim" não funciona muito bem no mundo dos negócios. O ceticismo em relação à capacidade dele fazer qualquer coisa de relevante ao longo dos próximos anos – e talvez em toda a vida – deu o tom do mercado, desde o lançamento da moeda. Mas aí entrou a Fernanda, ou como dizem os analistas, o Fator Fernanda.
Se existia um paradoxo na vida da Fer era o de ser jovem, filha de banqueiro e passar seus dias absolutamente sozinha. Difícil dizer o que contribuía mais para isso, se a feiura, a chatice da família a todo tempo lhe assombrando, ou a timidez avassaladora. As amigas lhe diziam que era a timidez, mas, entre si, divergiam.
O que a Fer colecionava eram paixões platônicas; desde umas bem na linha de Platão, Aristóteles e companhia, como a que tinha pelo seu antigo professor de piano, o maestro Berci, até outras radicalmente tórridas, com direito a suores noturnos e pôsteres no quarto. Diego estava no alto desta segunda categoria.
Foi difícil para ela engolir essa coisa toda de criptomoeda separando-a de seu muso; não que ela questionasse a premissa, pelo contrário, apenas preferia poder comprá-lo de uma vez e mandar entregar em casa. Mas depois tomou como fato, afinal, apesar de uma ou outra palavrinha nova, a lógica é a da bolsa de valores, cuja existência tanto precede quanto sustenta a fortuna da sua família. Um dia após entrar no mercado de criptomoedas, já estava comprando Diego sem dó nem piedade.
A estratégia vingou e, naquela mesma semana, tudo indicava que ela iria rapidamente controlar 50% de todo o estoque de ações, o que a permitiria exercer controle decisório sobre "o ativo", o que as colunas sociais noticiaram para o embaraço de seu pai e orgulho da mãe do Diego.
Porém, o mercado é feito de robôs que detectam quando algum ativo está despertando interesse e o compram também. Quase que por mistério, o controle sobre o Diego foi escorregando entre seus dedos, ao mesmo tempo em que o brasileiro se tornava um hit da internet. Sorte, em seu estado mais puro.
Isso é uma coisa que não ficou clara para os jornalistas da época. Não foi a Fer que puxou os 800% de subida das Raian Coins, mas um sem número de robôs, incapazes de avaliar se o Diego é um ativista disruptivo nas franjas do anarcocapitalismo ou simplesmente viaja. Eis aí mais um ponto em comum entre robôs e gente.
Mas pouco importa, com a subida vieram os interesses experientes, muitos dos quais dispostos a ajudar o Diego a dar certo para poder revender mais caro lá na frente.
O psiquiatra da Fê não conseguia controlá-la. A menina, conforme confessou, estava disposta a colocar tudo o que estive à disposição para ter o Diego, incluindo os treze milhões que seu pai tinha colocado em seu nome na XP.
A situação era de caos, como dizia a mãe para o seu psicanalista. Fato.
Assim foi por meses a fio. O Diego custava a acreditar no que estava acontecendo e, contrário a todos os conselhos especializados e aos apelos emocionados da sua mãe, se negava a vender um único token dos 20% que reteve. Fato.
Foi a sua mãe que o acordou no dia 07 de janeiro de 2020, com a notícia de que as Raian Coins haviam caído 60% de uma só vez. Seu coração palpitava, a respiração lhe faltava, as palavras não vinham.
A Fer por seu lado também foi acordada com a notícia, que lhe chegou por meio de uma ligação de um analista financeiro chamado Gary, que seu pai mantém em Nova Iorque. Nas palavras dele:
– O ativo que você busca caiu, mas eu não te recomendo que compre agora pois a tendência é de baixa continuada. Você deve esperar.
Difícil explicar a cabeça das pessoas. Ou, como diz o Diego, da vida saem os fatos, da cabeça, os paradoxos. Dessa vez, ela reagiu como se esperaria de alguém do clã Pimenta de Moraes e decidiu:
– Ok. Por favor, ajuste minha posição de compra e aja no momento ideal.
Dito e feito, ou melhor, nada feito. Passadas três semanas, novamente o Gary de Nova Iorque a acordou com uma ligação.
– Miss Fernanda, Raian Coins reagiram nesta madrugada. Estão 4% acima da média histórica das últimas duas semanas. O que podemos fazer?
– Vende tudo.
– Tudo?
– Sim, tudo. Algum senão?
– Não, pelo contrário. Já recomendei à senhora que se livre deste ativo. É só que eu achei…
– Esquece, Gary, esquece. O que me importa mesmo não pode mais ser meu. Esse tal Covid, com isolamento social e tudo mais…estragou o meu sonho.
– Sinto muito, senhora Fernanda. Vou processar sua ordem imediatamente.
A já frágil bolsa de criptomoedas foi inundada de ordens de venda e, como é o caso em situações extremas como esta, excluiu as Raian Coins antes que tocassem o zero absoluto. Em suma, deu ruim. Coisas da sorte.
Ex-milionário da noite para o dia, com a autoestima arrasada e ainda sem sua antiga ferramenta de trabalho, o carro que ganharam da mãe, Diego não encontrou outra alternativa senão se cadastrar para o único emprego que lhe parecia adequado: entregador c/ bicicleta própria.
E foi desta forma que os dois se encontraram, numa noite fria do outono paulistano, quando a Fer resolveu ir pegar pessoalmente no portão, a pizza que chegara tão rapidamente. Ansiava por algum contato humano e estava disposta a pagar por isso.
– Muito obrigada. Você foi muito rápido. Isso aqui é para você.
– Obrigado, senhora…?
– Fernanda.
– Ah, Fernanda. Obrigado. Ótimo jantar.
– Para você também. Quer dizer, agradeço você também. Uma boa noite.
E fechou o portãozinho ao lado da guarita, com um rangido abafado pela espuma do capacete.
O coração do Diego estava disparado. Era ela. Sim, a admiradora que conhecera pelas reportagens da internet. A sua promessa de uma vida melhor, que fechara a porta, sem que ele pudesse se apresentar. Fato, sorte, paradoxo. Assim é o Diego, assim é a vida.
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Em parceria com Thomas Machado Monteiro.
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